quinta-feira, dezembro 06, 2007

Excerto

«…Não podia ele imaginar até que ponto o colarinho lhe iria apertar. Ainda meia hora não tinha passado quando, já no automóvel oficial que o levava a casa, recebeu uma chamada do cardeal, Boas noites, senhor primeiro-ministro, Boas noites, eminência, Telefono-lhe para lhe dizer que me sinto profundamente chocado, Também eu, eminência, a situação é muito grave, a mais grave de quantas o país teve de viver até hoje, Não se trata disso, De que se trata então, eminência, É a todos os respeitos deplorável que, ao redigir a declaração que acabei de escutar, o senhor primeiro-ministro não se tenha lembrado daquilo que constitui o alicerce, a viga mestra, a pedra angular, a chave de abóbada da nossa santa religião, Eminência, perdoe-me, temo não compreender aonde quer chegar, Sem morte, ouça-me bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja, Ó diabo, Não percebi o que acaba de dizer, repita, por favor, Estava calado, eminência, provavelmente terá sido alguma interferência causada pela electricidade atmosférica, pela estática, ou mesmo um problema de cobertura, o satélite às vezes falha, dizia vossa eminência que, Dizia o que qualquer católico, e o senhor não é uma excepção, tem obrigação de saber, que sem ressurreição não há igreja, além disso, como lhe veio à cabeça que deus poderá querer o seu próprio fim…»

José Saramago, As Intermitências da Morte

1 comentário:

Anónimo disse...

"Einstein disse, e passo a citar: "o que realmente me interessa é saber se Deus poderia ter feito o mundo de uma maneira diferente, ou seja, se a necessidade de simplicidade lógica deixa alguma liberdade". Fitou Tomás. "Sabe qual é a resposta a esta questão?"
"À luz do que disse só pode ser não."
"Nem mais, a resposta é não."
Luís Rocha abanou a cabeça. "Não, Deus não poderia ter feito o mundo de maneira diferente."..."

José Rodrigues dos Santos em "A Fórmula de Deus"