segunda-feira, novembro 16, 2009

Pelos trilhos do conhecimento (1ª Parte)

Saber ler e escrever. Saber contar. Coisas normais para os nossos dias têm tido ao longo do tempo diferentes acepções.
O analfabetismo em Portugal tem sido encarado sob duas perspectivas distintas. Por um lado, como o principal obstáculo ao desenvolvimento, por outro, como uma virtude inerente às características do povo.
Este é o ponto de partida para uma sucinta reflexão sobre o analfabetismo, percorrendo para tal alguns troços, aqueles com mais pertinência e interesse, da jornada de vida do meu pai. Através do relato das suas experiências, trilharei histórias, muitas delas minhas conhecidas, mas que aqui ganham nova vida, novo ar, novo sentido.
Fá-lo-ei com o orgulho de quem gosta e cuida, e com o desejo e responsabilidade de pôr no papel memórias de um tempo difícil em que a cada palavra, a cada expressão, se descobre algo mais.
O meu pai, Rodrigo José da Silva nasceu a 17 de Junho de 1928 na freguesia da Orada, concelho de Borba. Faz 81 anos. Dos 7 irmãos, 5 rapazes e 2 raparigas, apenas o rapaz mais velho e a rapariga mais nova foram à escola. Os meus avós não sabiam ler nem escrever, assim como, a quase totalidade da família. A escola era espaço apenas para alguns.
À pergunta de quem ia à escola nessa altura, responde: «eram os que estavam e viviam na freguesia (Orada) e os que tinham mais rendimentos», já que «os com menos rendimentos tinham mesmo de ir trabalhar». E qual era a opinião lá em casa, «os meus pais achavam que eu e os meus irmãos devíamos trabalhar, ainda por cima porque a escola ficava muito longe do monte.»
O mesmo acontecia às raparigas «não lhes fazia falta nenhuma, diziam os adultos. Preocupavam-se com os rapazes para que arranjassem algum trabalhinho, mas com elas não. As raparigas faziam as tarefas domésticas e alguns trabalhos no campo, a monda e a ceifa.» Mas, como se explica que a irmã mais nova [Maria Idalina] tivesse acesso à escola? A resposta não se faz tardar: «fazia falta alguém que lesse as cartas que eram enviadas pelo meu irmão mais velho» e completa, «o meu irmão Silvestre tinha ido para as Caldas da Rainha trabalhar como cocheiro e enviava cartas para casa, a minha irmã foi a escolhida para as ler». A centralidade, rendimentos e género assumiam-se como condições fundamentais para o acesso à escola. Quem não dispusesse tais características só tinha uma alternativa, o trabalho.

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